sábado, 1 de dezembro de 2007


LITERATURA DE CORDEL E A FILOSOFIA



Foto Dayanne Pereira



A poesia popular impressa chamada de literatura de cordel teve origem em Portugal durante o período da Idade Média e do Renascimento. O nome cordel está relacionado à maneira como os livretos são expostos para a venda, exibidos em cordões dispostos horizontalmente.
A literatura de cordel nasce da poesia popular oral e depois é impressa em folhetos rústicos para a venda. São escritos em forma rimada e são ilustrados por xilogravuras. Os autores recitam esses versos acompanhados de viola.
A temática é variada, mas essencialmente fala dos causos humanos, mas podemos pontuar os mais visíveis, como os desafios, histórias relacionadas com religião, mitos, cerimônias, banditismo (Lampião), fatos locais e temas da literatura e história universais.
Pode ser encontrada uma relação tênue entre a filosofia e a literatura de cordel, lendo os textos podemos observar que existem muitas histórias relacionadas com mitos e fantasia. Sentimentos também fazem parte desse universo, como segue abaixo:

“ Quem inventou esse “S”
Com que se escreve sauDAde
Foi o mesmo que inventou
O “F” da falsiDAde
E o mesmo que fez “I”
Da minha infeliciDAde ”

O papel da filosofia é criar artifícios com que o ser humano tenha visão critica, através de questionamentos sobre os conhecimentos instituídos, sobre a origem da existência e sobre a essência humana e nela encontramos os sentimentos.

Percebemos que a dualidade entre Platão (mundo das idéias) e Aristóteles (mundo material/realismo) esta presente nos versos dos livretos, para caracterizar o mundo das idéias podemos citar como exemplo os livretos que utilizam como tema o caráter social.

A explicação mítica da realidade era fundada no sobrenatural, onde o destino estava nas mãos dos deuses, era sem coerência, sem conteúdo ou lógica nas narrativas, apresentava conteúdos inquestionáveis e impostos como verdade, ou seja a inteligibilidade dada.
O saber mítico era alegórico, estava associado a mitologia grega (deuses; heróis ou semi-deuses).
No cordel abaixo observamos a relação com a religião que é utilizada como resposta para os questionamentos que também são tema na filosofia, quando ela questiona o que fizeram do mundo? Esta abrindo um tópico extenso sobre os problemas sociais e no relacionamento interpessoal, no decorrer do cordel ela exibe o antes e o depois do mundo e da sociedade, ela justifica as mazelas do mundo com a desobediência divina que conhecemos do Gênesis da Bíblia Cristã, ou seja, a partir do momento que Adão e Eva comeram do fruto proibido toda a humanidade sofre em escala. Há uma tendência na literatura de cordel para a religiosidade, a relação dos cordelistas com padres, por exemplo, é bastante próxima e amigável.
O que fizeram com o mundo?
Autora: Maria Josilane PessoaJacaraú-PB, Março/03
Eu peço à mãe Santíssima
Que interceda ao lado
De seu estimado filho
Para que eu com cuidado
Possa contar o que vejo
Neste mundo transtornado. No princípio tudo era bomHavia paz em abundânciaRios, matas, flores, frutosEra uma eterna constância Todos eram felizesNão existia a ganância. Os Homens e os animais Conviviam em harmonia,Reinava a felicidadeEntre eles, dia-a-diaNão havia a discórdia, Somente a alegria.1Mas um fato ocorreu E a tudo modificouFoi a desobediência Às ordens do criador Gerando a dor e o malE assim o mundo mudou.Se a humanidade sofre Hoje é devido ao fatoOnde o homem e a mulherAtravés de um triste ato: Queriam saber mais que DeusPor isso há tanto destrato.Vieram as transformações Familiar e cultural Cada um querendo ser Dono do mundo atual, O orgulho, a ambição Banem o seio maternal.2Atualmente as pessoasGostam de badalação Vivem seguindo modismos Que vêem na televisão Só pensam em consumirE viver de ilusão.Não têm tempo para nadaVivem sempre apressadosSão frutos de um sistemaAndam sempre ocupadosEsquecem até mesmo de si Dizendo ser estressados.Querem aprender de tudo, Vivem da tecnologiaEstão sempre informadosE dispensam companhiaPor não ter tempo pra nadaDesconhecem um bom dia.3Vejamos o outro lado, As pessoas sem instrução Que não podem ir à escolaPor falta de condição São uns pobres sofredoresDa tal discriminação. Muitos sofrem hoje em dia Negro, índio, indigente,Desempregado, mulheres Pobres e o inocenteQue nasce lá na favelaNum barraco indecente.Sofrem porque há descasoDe quem é autoridade,Que não oferece saúde, Que não fala a verdade,Que não oferece trabalhoNem educa a sociedade.4Há uma maldade sem fimNa mente da elite insanaIgual fogo que destróiAs belezas da savanaE triste eu me pergunto: O que é a vida humana?Vemos seqüestros e mortesE muita impunidade,Gente passando fomePelas ruas das cidades,Igualmente a políticosPraticando improbidade.Há individualismoDominando as nações, Só se pensa em receberPouco se ver doações, É o mundo dominadoPelos chamados chefões.5As famílias se destroem De uma forma horrível, Filho matando os pais É algo mesmo terrível Não há muito o diálogoNeste mundo consumível. As drogas atualmenteOcuparam posições Enfeitiçando os jovens, Deixando-os sem corações, Que perdem até os sentidos, Caindo em tentações. O jovem quer liberdade, Busca sempre solução Mas esquece de buscarA verdadeira opção, Que é o Senhor Jesus Cristo,O libertador da nação. 6O negro é discriminado, Pobres e velhos tambémNas ruas, praças, calçadasSão sujeitos ao desdémE quem pode não quer saber Se são pessoas de bem.Poucos são os que podemViver de uma forma digna E a massa é submetidaA viver num paradigmaImposto sim, por aqueles Que elaboram enigmas.A violência é gritanteNo mundo globalizado,Através da internet Tudo está conectadoSó falta termos a pazE um ser civilizado.7Mas nem tudo está perdido Inda há um pouco de bonança Brotando nos corações Do adulto e da criançaE se pregarmos o amor Não morrerá a esperança.Se cada um ajudarDoando-se por amorTudo será mais fácilAgiremos com fervor,Poderemos ser felizesSem o ódio e o rancor.Juntemos os nossos sonhos,Os ideais de labutaSeremos reconhecidosInsistindo nessa luta Leal e pregando o bem Almejando ter também, Numa vida absoluta,Encontro com Deus no além.
Nesse cordel foi traçada a história da filosofia com os seus grandes nomes:
A filosofia em cordel(Baseado no livro de James Mannion:“O livro Completo da Filosofia”)I capítulo: Dos monistas a Aristóteles
No período Pré-socrático,

Quando em pedra se escrevia,

Embora de modo arcaico,Pois o papel num existia:

Nasceu a filosofiaNo pensamento monista.


Primitivos cientistas,Como Tales de Mileto,

Balançou o esqueletoDos mitos politeístas.

Precursor e avalistaDa ciência natural,

Sob seu ponto de vista,A água é fundamental;


O elemento vitalDe toda a mãe natureza.

Viveu na sua proezaAté a morte chegar;

Se ele sabia nadar,

Disso não tenho certeza!


Outro ser de mente acesa,

Um tal Pitágoras, era,

Homem de boa cabeça

Muito adiante de sua era,

Fez a" Música das esferas",


Formulando um teorema.

Matemático da gema,

Cria em reencarnação,

Já que a matéria é fração,

E ainda assim, bem pequena.


Heráclites, Parmênides,Anaximandro, Zenão,

O ar de Anaxímenes,

Com a alma no pulmão,

Fez do espirro de entãoS


urgir o "Deus te abençoe!",

Pra que a alma não voe

Deixando o corpo na mão.

Se fiz qualquer confusão


Que o leitor me perdoe....

Seguindo pois, a leitura,

Vou falar dos pluralistas

Essas nobres criaturas

Que precederam os sofistas:Empédocles,o analista,


Fez dos quatro elementos(fogo, água, terra e vento)

As raízes da matéria

Como o sangue nas artéria.

Da vida, os alimentos.

Uma dupla conhecida


Como "o dueto atômico",

Fez da matéria partida

Um fragmento eletrônico.

Os dois eram antagônicos:Demócrito, o risonho,

Leucito, sério e tristonho,


Com igual sabedoria

Aventaram, em teoria,

O invisível tamanho.

Deixaram seu patrimônio


Para a ciência hodierna,

Pois o átomo de antanho,

Uma grande descoberta,

Deixou uma porta aberta


Para outros cientistas,

E outros pontos de vista

Pro progresso da ciência,

Aclarando a consciência

Pra descobrir novas pistas.


A seguir vêm os sofistas,

Camelôs de pensamento,

Uma versão capitalista

De dúbio comportamento.


Chegados num fingimento,

Mercadores de ilusão

Tinham sempre a solução,

E a resposta convincente


Pra todo tipo de gente,

Que lhe pagasse a sessão.

Protágoras foi o primeiro,

Depois Górgias, o niilista,Pródico, tal qual banqueiro,

Cobrava consulta à vista.


Todos eles eram artistas

E mestres no retorismo,

Donos de muito cinismo,

E enorme sabedoria,


Criaram a filosofia

Do insofismável sofismo.

Terminado o pluralismo,

Com sua ética arbritária;


O imoral relativismo

E sua lógica temerária

Foi parar na funerária.

Desta feita entrou em cena,


Na cidade de Atenas,

O filho duma parteira,

Uma "mosca-da-madeira"Tão feio que dava pena.

Sua vida, um dilema!"Um cavalheiro do ócio"!


Nunca pôs a mão na pena

Pois não era o seu negócio.

Também nunca teve sócio;

Vagava pela cidade


Ensinando a mocidade

A sua filosofia.

Fosse de noite ou de diaVivia atrás da verdade.

Não tinha muita vaidade!


Sócrates, um andarilho,

Nunca perdeu o brilho

Tampouco a dignidade.

Homem de grande humildade,


Não arrotava grandeza

Não perseguia a riqueza,

Apenas sabedoria;

A si mesmo conhecia,

Mas nunca dava certeza.


Julgado pela nobreza

Por crime de impiedade,

Fez sua autodefesa

Com enorme hombridade;


Sem faltar com a verdade,

Sem trair seu ideal,

Teve a pena capital

Sentenciado de morte.


Mas não maldisse da sorte

Na sua viagem astral.

Legou o seu cabedal

Pra futura geração


Até no mundo atual

Na carcunda de Platão,

Que manteve a tradição

Da sua filosofia,Fundando a academia


Baseado em "A caverna",

Uma visão mais moderna

Do que mestre fazia.

As formas, Platão dizia,


São idéia estruturada.

Todo o resto é poesia,

Não contribui para nada.

Até parece piada!


Mas pela sua visão,

A arte era a prisão

Do mundo material;

Corrompia o ideal


Cegando a percepção.

Na “República de Platão”,

Sua obra magistral,

Pelo sim e pelo não,


Etecetera e coisa e tal:

Uma classe social

Daria sustentação,e todo o poder nas mãos

para o Filósofo-rei,o qual, em nome da lei,

governaria a nação.


Tamanha contradição

Rezava sua utopia,

Que pobre e pobretão,

Nem estudar poderia.


E, pela sua utopia,

Na sociedade perfeita

A casta que era eleita,

Era Aristocracia.


Falar em democracia,

Até parece desfeita.

Depois que Platão se deita

No berço da eternidade,


Aristóteles dá receita

Da pontecialidade:Evolução de verdade

Em busca da perfeição...O universo em progressão...

A externa cosmogonia....Patética filosofia


Seu desafio a Platão.

Na sua concepção:A verdadeira amizade

Enobrece o cidadãoE traz a felicidade;

Era uma obscenidadeA prática vil da usura;Julgava que a criaturaEra um animal social;

Na política, afinal,Foi um grande “linha dura”.





ENTREVISTA
PARAÍBA DA VIOLA – REPENTISTA E VENDEDOR DE LIVRETOS

Foto Dayanne Pereira


O Senhor Antonio Tenório Cassiano mais conhecido como Paraíba da Viola, repentista respeitado em Salvador e já gravou dois CD’s de cantoria. Nessa entrevista ele fala sobre a sua relação com o cordel e o repente, como acontece a propagação desse tipo de cultura popular na sociedade.

Como o Senhor analisa a relação do cordel e do repente com as outras manifestações artísticas?

PARAÍBA DA VIOLA – O cordel e o repente hoje têm sido valorizados, antigamente eram considerados coisa de retirante.

O que o Senhor acha desse intercâmbio cultural entre o cordel e o repente?

PARAÍBA DA VIOLA – Importante porque sou convidado para muitos municípios, eventos, faculdades, duelos, festivais, colégios, empresas e bancos, todos admiram o trabalho.

Como o Senhor reage às novas tecnologias?

PARAÍBA DA VIOLA - Abraço-as porque me levou para a internet, para o palco, abrindo espaço na mídia. Tenho interesse por que o desenvolvimento traz a tecnologia, por exemplo, para mim que tenho parentes no interior faço um depósito bancário e na mesma hora está na conta. Ligo também para o exterior e isso é um avanço.

Poderia fazer um paralelo do passado com os dias atuais onde o seu trabalho esta sendo reconhecido?


PARAÍBA DA VIOLA – Quando comecei minha vida de cordelista era pela bebedeira, não valorizava como arte, hoje saí do álcool e tenho outro valor, tenho um nome, sou considerado um dos melhores e reconhecido nacionalmente.

Como o repente pode ajudar as pessoas e contribuir para a cultura do País?

PARAÍBA DA VIOLA - Cordel representa muita coisa para mim, porque eu vivo disso. Penso que o homem que inventou não sabia ler. No repente se pergunta sem esperar e eu respondo na bucha, é uma arte. Isso é repente, não me troco por nenhum doutor formado, coitado. Embolada é poesia ainda mais rigorosa que a da viola.



















RELEASE
PARAÍBA DA VIOLA – REPENTISTA E VENDEDOR DE CORDEL

Foto Dayanne Pereira
Antonio Tenório Cassiano ou Paraíba da Viola nasceu em 1942, no Sitio Bom Conselho em Teixeira-PB, filho de poeta e embolador de côco, trouxe o mesmo dom do pai. Logo cedo descobriu a sua paixão pela poesia, ouvindo além do pai outros grandes poetas do seu estado. Começou a trabalhar como repentista aos 40 anos. Já gravou dois CD’s de cantoria com parceiros musicais como Leandro Tranquilino e Antonio Queiroz, Bule-Bule.
Hoje é conhecido por participar de festivais de violeiros, já competiu em mais de 50 festivais sendo classificado em sua maioria. Ele também participou de uma coletânea de cantadores, programas de rádio e televisão, tendo sido manchete de grandes jornais do Estado da Bahia.

Paraíba da Viola atualmente vive em Salvador com a esposa Iolanda Gerônimo Cassiano, pois exibe os seus trabalhos na Banca dos Trovadores, na Praça Cairu, na frente do Mercado Modelo.

Paraíba da Viola participou da gravação da Antologia Musical da Cidade do Salvador no Museu de Arte Moderna, em dezembro de 2006, em comemoração aos dois anos da atual gestão da Fundação Gregório de Matos.

No repente Paraíba usa como temática os desafios, fatos locais (como o Dois de Julho, Aniversário da Cidade), temas de literatura e história universais além dos improvisos que faz com os seus admiradores.